A grande maioria das pessoas caminha na rua, no seu quotidiano, com pouca ou nenhuma atenção a quem por elas passa. Quem passa por elas são pessoas sem rosto. Corpos que se movimentam. Sombras. É difícil repararem num sorriso, num olhar. É verdade que eu esta semana não tenho tido os melhores dias da minha vida (sim, é verdade) e que me apetece apenas estar em silêncio e esperar que o tempo passe e faça os milagres que só o tempo consegue fazer (tornar a mágoa mais fácil de carregar) mas também é verdade que, apesar de tudo, hoje sinto-me um bocadinho melhor (mesmo tendo tido um dos maiores desgostos de todos os tempos), porque acho que mudei, nem que seja numa mínima parte, a vida de alguém.
Hoje, enquanto passeava com uma amiga, apercebemo-nos de uma rapariga sozinha, com os seus quase trinta anos (suponho). E acho que durante muito tempo vou relembrá-la. Passavam ali várias pessoas, mas nenhuma me chamou tanto a atenção. Não sei se foi o olhar dela, se o peso que se sentia por fora (mas que ela possivelmente sentiria em maior medida por dentro) do coração dela. Sei que alguma coisa nela, alguma tristeza profunda (daquelas tristezas mesmo muito, muito profundas) me perturbou e já não me deixou desviar a minha atenção dela.
Não sei se a salvámos para sempre, ou se o que fizémos foi tremendamente pouco para toda aquela tristeza sem fim, que lhe saía pelos poros, pelos olhos, pelos gestos e pelo cabelo que esvoaçava com o vento, sem que ela se importasse. Não sei nada disto. Mas sei que hoje a amparámos, em parte. Sei que o que fizémos por ela foi mais do que termos estado lá horas perto dela. Sei que ela por causa da nossa presença conseguiu ver coisas, ver luz, que não conseguia antes. E sei que deixámos de ser desconhecidas, a partir desse momento.
E, claro, sei que dificilmente a esquecerei.