Das memórias


Pior ou melhor, todos aprendemos a viver com as memórias. A verdade é que, sem memórias, a nossa vida ficaria estranhamente vazia, sem significado. Objectos onde uma vez recordámos alguém, lugares onde vimos alguém, seriam apenas objectos e lugares comuns a todos nós, especiais na mesma medida para todos nós e, por isso, especiais para ninguém em concreto. As memórias fazem, de uma maneira ou de outra, a nossa história de vida. Mesmo as piores memórias, ajudam-nos a compreender vezes sem conta o que nos acontece um dia mais tarde. Conseguimos acreditar até certo ponto que o melhor é termos boas memórias, mas esquecemo-nos facilmente que até as boas memórias, por serem apenas isso, memórias, também nos doem, no coração. E é por isso que, mais do que saber catalogar ou guardar memórias, temos necessariamente de saber primeiro viver com elas. E é um pouco como se todos nós possuíssemos uma caixa, onde guardamos habilmente todas as nossas memórias. Algumas a custo, outras com algum alívio. Alguns de nós limitam-se a deixar a caixa fechada, porque "What the eyes don't see, the heart doesn't feel"... E alguns de nós, porque sabem que, apesar de fechada a caixa, as memórias estão lá, precisam de saber e ver, a caixa aberta. As memórias lá. Não é tanto pelo medo de que as memórias desapareçam. Não. É pela dor que representa deixá-las longe de nós. Numa caixa. Quando queremos a todo o custo fazer delas um presente. Não podemos. Não podemos quando elas já só pertencem a um passado. E por isso acredito que talvez o melhor seja, no fundo, deixarmos a caixa fechada o máximo de tempo possível. Porque todos sabemos que, uma vez aberta, o difícil não é ver o que está lá dentro. O difícil é voltar a fechá-la.

9 comentários:

Fiona disse...

Existem memórias que doem horrores e memórias que nos fazem chorar mas de alegria. Memórias que nos aquecem a alma e memórias que nos arrefecem o coração. Mas são memórias. Lembranças de um passado e de momentos que já passaram e a que convém não ficar eternamente agarrado pois, se isso acontecer, dificilmente se consegue seguir em frente.

Anónimo disse...

Alguém disse algo como "quando pensamos e conservamos um segredo, somos um; quando falamos, somos dois..."
Algo assim...
Um abraço deste índio de Lisboa
Toksha Aké

mi disse...

é precisamente por essa razão que tenho memórias das quais já perdi a chave :)

Ana Isabel disse...

belíssimo!

Maria, Dreamer! disse...

lindo lindo lindo lindo lindo!

fiquei sem palavras

Johnny disse...

Mais um texto fantástico. Estou sem palavras, disseste tudo.

bécas disse...

sou leitora assídua do teu blogue, e sempre que dele saio, sinto-me mais instruída. Obrigado (:

A. disse...

Eu não poderia escrever melhor...Todo o mal é abrir a caixa e vasculhar todo um passado. Que quer queiramos, quer não, é repleto de coisas Boas, mas também de coisas más (algo que nos doeu e fez parte da nossa história) mas inevitavelmente acabamos por voltar a (re)viver tudo o que se passou naquele preciso momento. E que acaba sempre por custar a largar...Às vezes, nem o Tempo ajuda..

Parabéns pelo Blog!!

Anónimo disse...

Maravilhoso. É realmente para se ficar sem palavras..