A 15 de Março, num dia como hoje


Morrias, diante dos meus olhos. Lembro-me dos pormenores com uma nitidez incrível. Lembro-me de sentir que a passagem do tempo era das coisas mais dolorosas de uma vida. Em minutos, escassos minutos, a minha vida transformou-se para sempre. Num momento, estava a olhar para ti. Gostava particularmente do formato dos teus olhos, quando os fixavas num vislumbre no horinzonte aparentemente desconhecido para o restante mundo. No momento seguinte, morrias. Se me fosse possível escolher, teria ficado eternamente no momento em que eu ainda olhava para ti, completamente alheia ao facto de que ias morrer a seguir. Tinha ficado nesse momento. E fazia-o durar. Fazia-o durar até que a voz nos doesse. Fazia-o durar até envelhecermos. Sinto falta do som da tua voz. Sinto falta da forma do teu sorriso. Sinto falta do teu perfume. Sinto falta de te saber por perto. Sinto falta daquele sentimento que partilhávamos de sermos a única coisa que realmente importava nas nossas vidas. E perdemo-nos. É-me difícil imaginar uma dor maior do que esta. A tua memória é como uma enorme onda, que, de vez em quando, e especialmente hoje, rebenta sobre mim e se desfaz em espuma. E eu deixo-me ir.


«Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte [...]

Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse [...]

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir [...] »

Eugénio de Andrade