Pior ou melhor, todos aprendemos a viver com as memórias. A verdade é que, sem memórias, a nossa vida ficaria estranhamente vazia, sem significado. Objectos onde uma vez recordámos alguém, lugares onde vimos alguém, seriam apenas objectos e lugares comuns a todos nós, especiais na mesma medida para todos nós e, por isso, especiais para ninguém em concreto. As memórias fazem, de uma maneira ou de outra, a nossa história de vida. Mesmo as piores memórias, ajudam-nos a compreender vezes sem conta o que nos acontece um dia mais tarde. Conseguimos acreditar até certo ponto que o melhor é termos boas memórias, mas esquecemo-nos facilmente que até as boas memórias, por serem apenas isso, memórias, também nos doem, no coração. E é por isso que, mais do que saber catalogar ou guardar memórias, temos necessariamente de saber primeiro viver com elas. E é um pouco como se todos nós possuíssemos uma caixa, onde guardamos habilmente todas as nossas memórias. Algumas a custo, outras com algum alívio. Alguns de nós limitam-se a deixar a caixa fechada, porque "What the eyes don't see, the heart doesn't feel"... E alguns de nós, porque sabem que, apesar de fechada a caixa, as memórias estão lá, precisam de saber e ver, a caixa aberta. As memórias lá. Não é tanto pelo medo de que as memórias desapareçam. Não. É pela dor que representa deixá-las longe de nós. Numa caixa. Quando queremos a todo o custo fazer delas um presente. Não podemos. Não podemos quando elas já só pertencem a um passado. E por isso acredito que talvez o melhor seja, no fundo, deixarmos a caixa fechada o máximo de tempo possível. Porque todos sabemos que, uma vez aberta, o difícil não é ver o que está lá dentro. O difícil é voltar a fechá-la.